sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A Importante Diferença entre Analisar e Sintetizar

Pensar é analisar e sintetizar, separar e unir. Esse jogo de operação mental estimula o pensar. O pensamento atual acentua demasiadamente a análise. Em busca de equilíbrio, cabe insistir na síntese, na ligação entre os pensamentos, num pensar inclusivo, na percepção das implicações mútuas entre as idéias, nas relações inter-retro-para-frente. Favorece as operações mentais de ligação, conjunção, inclusão, implicação, síntese, e não tanto de separação, de diferenciação, de oposição, de seleção, de exclusão, de acumulação, de análise.
A inteligência analítica procura perceber em que uma realidade não é outra. Assim, quando pensa, por exemplo, a relação entre política e fé, num primeiro momento analítico distingue uma da outra. A política visa ao poder. A fé à salvação. A política pensa como conquistar ou manter poder, e para isso analisa todas as realidades sob este ângulo. A fé situa-se diante de uma Palavra transcendente a ser acolhida. E esta revela o mistério de Deus em sua relação conosco. E assim poderíamos ir avançando a análise.
A inteligência sintética tenta recuperar dessas análises os pontos de comunhão, de aproximação. Consegue ver como a política e a fé se encontram numa busca comum da felicidade do ser humano, da construção de uma sociedade justa e fraterna sob prismas diferentes. Na diferença, há uma igualdade radical. Ter a capacidade de encontrá-la revela esse lado inclusivo da inteligência. Na análise, um não é o outro. Na síntese, um é o outro, embora sob perspectivas diferentes.

A Arte de Formar-Se. João Batista Libanio. Edições Loyola, 2001. Pág. 28-29.

A TFP E A IGREJA CATÓLICA



A TFP não é um movimento religioso católico, embora seus membros sempre façam questão de se apresentar como católicos. E, até mais do que isso, se julguem os autênticos e os praticantes do verdadeiro catolicismo. Por sua própria definição, a TFP é a “Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade”. Foi fundada pelo professor Plínio Correa de Oliveira, inspirada na Cavalaria Medieval e tinha entre suas finalidades primeiras “combater, por vias pacíficas e legais, a expansão do comunismo internacional”. É uma sociedade civil, formada por sócios e cooperadores. Dentro da sua Defesa da Tradição, muito cedo ela entrou em conflito com os princípios e com a linha de renovação do Concílio Vaticano II, opondo-se principalmente às mudanças que foram introduzidas na vida da Igreja e na Liturgia pós-conciliar, rejeitando movimentos e condenando pastorais reconhecidas e eficializadas pela Igreja. Atendendo aos apelos do Concílio, a Igreja, no Brasil, através da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), assumiu um profundo compromisso com o homem da terra, os lavradores, suas associações e lutas. A TFP opõe-se a esse compromisso e uma das pastorais mais hostilizadas por ela foi, justamente, a CPT (Comissão Pastoral da Terra). A tudo isso se acrescente o caráter esotérico e o fanatismo religioso da entidade. Tais fatos levaram a Assembléia da CNBB de 1985 a reconhecer que não havia comunhão da TFP com a Igreja no Brasil, sua hierarquia e nem mesmo com o papa. E, assim, em abril de 1985, a CNBB, em nota oficial, passou a desaconselhar os católicos a ingressar na TFP e a colaborar com ela. Mais recentemente, após a morte do professor Plínio, houve uma dissidência na TFP e surgiu um novo grupo, a “Associação Cultural Nossa Senhora de Fátima”, que, ao menos, busca uma aproximação com a Igreja. Seus métodos e princípios ainda trazem muito do aprendido com a TFP, mas eles dizem estar a “serviço da nova evangelização”.
Isso, porém, é outro assunto! Estar em comunhão com a Igreja não é simplesmente vestir uma roupagem e ter um belo discurso. É necessário viver plenamente o Evangelho e partilhar a vida com os irmãos, especialmente com os menos favorecidos e os mais pobres.

(Escrito por frei Anacleto Gapski, OFM, para a Revista Família Cristã – Maio/2001)

domingo, 19 de agosto de 2012

Tentando Elucidar a Dinâmica do Atraso do Nordeste – Uma Abordagem Crítica Sobre a Ideologia Reinante Tomando o Caso da Paraíba

Quando criança, ouvi de um desses agentes de saúde pública da prefeitura que andam de casa em casa uma afirmação que muito me impressionou. Ele tinha chegado à minha casa a trabalho e no contexto de uma conversa cujo conteúdo não lembro, disse que “nunca tinha encontrado tanta gente ruim e ignorante como na Paraíba”. Ele falou isso com alguma mágoa. Certamente não era paraibano aquele cidadão. No momento, não consegui interpretar aquilo. Mas hoje já consigo tecer algumas hipóteses para a explicação desse episódio.
Parto da constatação da discriminação histórica que sofre o Nordeste brasileiro e, dentro dele, a Paraíba especificamente (lugar onde moro). A Paraíba nunca foi referência dentro do Brasil e nem mesmo dentro do próprio Nordeste. Afinal, já fomos discriminados até mesmo por pessoas de estados vizinhos. Quando digo que “não somos referência”, quero dizer que os nossos comportamentos normalmente não são ditados por normas internas, mas sim, são tomados os modelos padronizados de fora (que ditam o nosso agir), no nosso caso, do Sudeste e também de países centrais (mas me detenho apenas ao Brasil).
Acredito que isso deve levar as pessoas da Paraíba a rejeitarem não apenas o seu espaço habitado, mas também os seus concidadãos. Mas antes de tudo, esses paraibanos rejeitam a si próprios. Se eu não me aceito, não consigo aceitar os outros! Os paraibanos não se sentem representados, fazendo com que se sintam não pertencentes à História. Esse é, na verdade, um forte domínio ideológico.
Eu mesmo não me revolto quando ouço comentários xenofóbicos contra o Nordeste vindos de paulistas ou cariocas. A minha preocupação é a respeito dessas pessoas que se irritam com isso! Sim, pois acredito que essas pessoas do próprio Nordeste estão dominadas ideologicamente e reproduzem tais preconceitos. Elas têm preconceito de si mesmas. Elas tomam como referência essas idéias vindas de fora do Nordeste e, desse modo, não conseguimos construir a nossa própria identidade. Ou seja, não sabemos quem somos! Elas rejeitam a si mesmas, aos seus concidadãos e o espaço em que habitam. Não conseguem dar significado ao seu próprio espaço.
O funcionário de quem ouvi que repudiava a tremenda ignorância dos paraibanos que o atendiam estava com a sua razão. Não o repreendo. As pessoas devem aprender a dar significado ao espaço que povoam. Antes de nos revoltarmos contra a mentalidade dos preconceituosos do Sudeste e de tentar modificá-la, deveríamos procurar modificar a nós mesmos, a nossa própria mentalidade e, enfim, perguntarmos qual o significado que damos à nossa região. Porém, isso não acontece na Paraíba! E acredito que podemos estender essa mesma avaliação para todo o Nordeste brasileiro.

Marcos Antônio Avelino Soares  

sábado, 28 de julho de 2012

Considerações Sobre o Tempo

O tipo de relação que temos hoje com o tempo pode ser exemplificado com a “Linha do Tempo” do Facebook. Nesse aplicativo, o internauta pode ir para frente e para trás no tempo a qualquer momento que quiser, a seu bel prazer. E o Facebook se tornou, de fato, a rede social preferida entre os internautas, dado o seu dinamismo, possibilitando que o usuário “viva” em tempo real, fazendo-os interagir de maneira mais direta e eficaz com seus amigos (reais e virtuais).
Segundo o teólogo jesuíta João Batista Libanio, a internet nos dá a ilusória sensação de estarmos o tempo todo em todas as partes do planeta. Ou seja, a internet pode nos levar a crer que somos onipresentes, uma característica apenas atribuída a Deus.
Nesse ponto, podemos dizer que o indivíduo deseja inconscientemente não sentir o tempo passar, como se o tempo simplesmente não existisse. No livro A Peste, o escritor Albert Camus (1913-1960) diz que a única maneira de não se perder tempo é senti-lo intensamente, através de hábitos como “passar os dias na sala de espera de um dentista, numa cadeira desconfortável; viver as tardes de domingo na varanda, ouvir conferências numa língua que não se compreende; escolher os itinerários de trem mais longos e menos cômodos e viajar de pé, naturalmente; fazer fila nas bilheterias dos espetáculos e não ocupar o seu lugar, etc.” É exatamente isso que nossos contemporâneos querem evitar! Não queremos sentir o tempo passar!
A estrutura do Facebook, por exemplo, pretende encerrar a vida do sujeito dentro de sua “Linha do Tempo”, como se toda a sua existência estivesse ali concentrada, condicionando, muitas vezes, os seus usuários a esse tipo de rede.
Antes da Idade Moderna, o tempo era vivenciado de maneira totalmente diferente ao que é hoje. A conquista do espaço era o mais importante, não importando o tempo necessário para isso. O tempo que as caravelas de Cabral demoraram, por exemplo, para chegar ao continente americano não era o essencial, mas sim a conquista desse novo espaço era o que importava!
Hoje vemos estranhas relações com o tempo, como a ensinada pela doutrina espírita da reencarnação. Curioso é perceber que os dados do Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados recentemente mostram que o espiritismo no Brasil é uma prática religiosa tipicamente da classe média e da classe rica. A conclusão mais óbvia que se pode extrair desse dado é que a classe de maior poder aquisitivo acredita que nascerá novamente na Terra após a sua morte para continuar usufruindo das riquezas criadas pelo nosso modo de produção.
Como escreveu o teólogo acima citado, a fé na reencarnação parece satisfazer o desejo de o indivíduo usufruir das coisas que não conseguiu usufruir em vidas pregressas, dada a enorme variedade de produtos e vivências que o sistema de produção oferece. Isso vem corroborar a evidência de que, na atualidade, o peso das tradições sobre cada sujeito é muito menor hoje que no passado, possibilitando que as pessoas se sintam livres para experimentar de tudo (tudo mesmo!) o que lhes são oferecidas pelo jogo do mercado!
Nesse caso, uma vida apenas é considerada muito breve, não sendo o suficiente para que cada pessoa desfrute de tudo o que há no mundo!
    
Marcos Antônio Avelino Soares.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sobre o Livro "Os Demônios Descem do Norte"

Marcos A. A. Soares



Há alguns anos encontrei por acaso na biblioteca da Universidade Federal da Paraíba um exemplar de um livro de título bastante sugestivo que me causou, de imediato, certa impressão. Tratava-se do livro Os Demônios Descem do Norte do jornalista Delcio Monteiro de Lima. Embora a obra não seja atual – sua publicação data de 1987 – o livro elucida um fenômeno sociológico de cunho religioso bastante pertinente ocorrido na nossa história recente com repercussões na política e na economia do Brasil (e também em outros países da América Latina). Acredito que este livro seja um dos mais conhecidos desse autor que tem em seu currículo uma série de títulos sobre temas polêmicos. Por outro lado, não sei se o Delcio ainda vive ou já morreu. Esse livro não agrada muito ao público evangélico. Abaixo segue uma descrição minha a respeito dessa obra.

O Livro – Em Os Demônios Descem do Norte, o jornalista Delcio Monteiro expõe como a ideologia capitalista se apropriou em seu favor de um fenômeno religioso surgido na América do Norte no século XIX. O fenômeno é o protestantismo norte-americano, mas o autor também tece considerações sobre as seguintes igrejas neocristãs (ou pseudocristãs) que exercem papel semelhante nessa empreitada: Testemunhas de Jeová, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mais conhecida como Igreja de Mórmon ou Mormonismo), Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial – a seita Moon –, e ainda as entidades transconfessionais. O autor descreve o processo de alastramento dessas denominações religiosas (chamadas por ele de seitas) no continente latino-americano num período em que os levantes populares e as ditaduras fervilhavam na América Latina. No livro, Delcio elucida que não foi a ideologia capitalista que criou tal fenômeno religioso de maneira sistemática para atacar o comunismo na América Latina. Embora não seja possível dissociar as ideias protestantes dos ideais capitalistas (como expôs Max Weber em clássica obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo), o que Delcio quis mostrar é que os ideólogos do capitalismo se aproveitaram da efervescência religiosa do século passado para somar forças contra os levantes comunistas da população latino-americana. De fato, a política conservadora norte-americana se aliou ao protestantismo, de modo que um passou a favorecer o outro num jogo de benefícios recíprocos para os dois lados. Nesse sentido, a facilidade com que as seitas norte-americanas se infiltraram na América Latina não foi inocente, mas sim um acontecimento pensado com claras finalidades no campo político do nosso continente. Não é por acaso também a grande soma de investimentos direcionados para o mercado religioso – levando o autor a se perguntar de onde vem tão grande quantidade de dinheiro! São inúmeros os canais televisivos religiosos, revistas, jornais etc. com o intuito de propagar ininterruptamente a ideologia capitalista travestida do manto religioso. Como exemplo, temos a Teologia da Prosperidade veiculada pelos pastores eletrônicos. E tenho também a impressão de que esse tipo de ideologia se faz mais pesadamente presente em países estratégicos como o Brasil.
Enfim, Os Demônios Descem do Norte é um livro bastante esclarecedor. O próprio título da obra já diz muito sobre a visão do autor a respeito do uso que se faz do fenômeno religioso. Os Demônios seriam, enfim, as seitas que desceram da América do Norte para povoarem o continente latino-americano para a execução de obras, cujos interesses são, à primeira vista, nebulosos e pouco claros. É exatamente aí que entra a visão do analista, que busca desvelar a realidade do manto enganador da aparência para penetrar na verdadeira razão dos fenômenos sociais.
            Há quem seja a favor de tal visão e há quem seja contra!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sem Destino*


Federico Mengozzi**

Nos anos 60, os jovens lutavam por paz e amor. Já nos anos 90, contentam-se com um passeio pelo shopping. O sonho, definitivamente, acabou – é o sonho, de qualquer cor ou textura, que move o homem. Idealismo não combina com globalização, e a juventude do final do milênio, sem metas ou valores, insegura e curiosa pela própria natureza, sempre à beira do abismo, resvala para o mundo das drogas e da transgressão. E, tão ruim quanto, para o mundo vazio do consumo, essa forma bem embrulhada de droga. Não se pode generalizar, é verdade. Mas o quadro geral, aqui e lá fora, que a desesperança também é global, aponta nessa direção. Recentemente, a produção norte-americana Vamos nessa, de Doug Liman, traçou um retrato competente dessa geração, a chamada Geração X. X de incógnita, X de indefinição.
Engenhoso, Vamos nessa conta três histórias que podem ser acompanhadas como segmentos independentes ou interligados. São histórias dentro da história. Numa interligação mais ampla, o filme oferece um panorama da juventude nesses tempos de cólera e vazios embalados pelo rock. Estranho, pois esse ritmo veio para libertar e logo se revelou um eficiente instrumento de alienação e fuga. Nos trejeitos de Mick Jagger, por exemplo, não está a contestação, mas a aceitação (travestida de crítica) de um establishment que o fez milionário. Para a geração ecstasy, a droga presente nas festas dos clubbers e neo-hippies, não há muita diferença entre os palcos dos megashows e os altares em que se imolava a mocidade fenícia a Baal.

Revolução comportamentalVamos nessa se vincula às produções que, a partir de O selvagem (Laszlo Benedek, 1953), ao mostrar um bando de motoqueiros que atormentavam uma cidade, se preocupam em revelar como está o pulso da juventude norte-americana – por extensão, o pulso da juventude do mundo. Enquanto o filme não chega às locadoras, o leitor que quiser entender, ou relembrar, como caminhou a jovem humanidade ao longo do século encontra bons vídeos à disposição, a começar do clássico Juventude transviada (Nicholas Ray, 1955). Em inglês, o título se referia aos rebeldes sem causa, àqueles que, não tendo motivo aparente – nem miséria havia –, transgrediam o código social e trombavam com a lei. Em português, serviu para definir aqueles jovens que, mudos e quedos, subitamente se faziam ouvir.
Em dez anos, os jovens passaram de coadjuvantes a atores principais, ameaçaram tomar o poder e, se não o fizeram, promoveram uma revolução comportamental sem precedentes. Sem destino (Dennis Hopper, 1969) é o filme que melhor mostra, nas aventuras de dois outsiders motorizados que perambulam pelas estradas, o que foi a juventude dos anos 60 e o que significou a contracultura. Mais dez anos, e Francis Ford Coppola dirigiu dois filmes sobre os jovens pós-paz e amor: O selvagem da motocicleta e Vidas sem rumo, ambos de 1983. São filmes que discorrem sobre as gangues juvenis e seus membros, rapazes às voltas com as descobertas e os impulsos da idade, vendo tudo – principalmente a violência – com absoluta, e nenhuma, clareza.

CinismoKids (Larry Clark, 1995) e Trainspotting – sem limites (Danny Boyle, 1996) revelam o amargor dos anos 90, quando a inocência foi perdida de vez e os jovens caminham ao sabor da droga, do sexo, da marginalidade, completamente irresponsáveis e com um cinismo que nega a própria juventude. Até ontem, acreditava-se que somente os adultos eram cínicos e hipócritas. Tanto Kids quanto Trainspotting negam o status de anos dourados à adolescência e mostram que é um mundo no qual tudo pode acabar, nem bem começou. Kids conta histórias do subúrbio de Nova York (EUA), enquanto Trainspotting se passa em Edimburgo (Escócia). A geografia muda, mas o comportamento juvenil fala a língua da aldeia global. Uma língua que é enrolada, pastosa e pouco clara.

Nas locadoras: Juventude transviada (Warner), Sem destino (LK-Tel/Columbia), O selvagem da motocicleta (Tocantins), Vidas sem rumo (Warner), Kids (Play Arte), Trainspotting – sem limites (Alpha).


*Artigo publicado originalmente na Revista Família Cristã, ano 66 – N0 768 – dezembro de 1999, pág. 31.

**Federico Mengozzi foi jornalista e crítico de cinema.


Nota do autor do Blog: apenas recentemente soube da morte de Federico Mengozzi ocorrida em 2007. Eu apreciava bastante os seus artigos sobre cinema (que eu me habituei a ler no início da década passada e depois perdi contato) e, por isso, posto aqui esse interessante artigo em que o Mengozzi expõe sua visão (um tanto amarga, é verdade) sobre a juventude retratada em filmes do século passado. Minha singela homenagem a esse grande jornalista, muito conhecedor de cinema!            

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Espírito Santo e a Nova Era*

Riolando Azzi**

A Nova Era é, sem dúvida, um fenômeno complexo. Não se trata de uma nova denominação religiosa, nem de uma instituição, mas da confluência de diversos movimentos de cunho espiritualista, marcados por uma nova maneira de ver o mundo.
Mesmo sabendo que, sob vários aspectos, a Nova Era não está em sintonia com a orientação cristã, é importante conhecer sua origem e expansão. Três são as suas idéias principais.
Em primeiro lugar, a crítica intensa ao materialismo capitalista, que incentiva o consumo para dar vazão à crescente produção industrial. É necessário fugir dos imperativos da moda e do consumismo, para que desabroche a dimensão espiritual e interior da existência. Em oposição à glorificação tecnológica, valoriza-se a integração do ser humano à natureza e ao cosmos.
Em seguida, a denúncia do racionalismo – dominante no mundo ocidental, sobretudo a partir do século 16 –, cuja ênfase na produtividade, desempenho e eficácia tem características marcadamente masculinas. Da supremacia do saber analítico, resultam o espírito de competição e a afirmação do individualismo. Em contraposição, dentro do universo da Nova Era, exaltam-se a concepção mística do existir e a experiência da consciência que se expande, com destaque para a intuição e o sentimento, vivências tipicamente femininas. Ao invés do espírito de concorrência, acentua-se a importância da realização pessoal.
Como terceiro aspecto, focaliza-se o caráter excessivamente institucional do cristianismo histórico. Privilegiando a moral das leis e o culto dos rituais, sob o rígido controle da autoridade eclesiástica, ele deixa pouco espaço para a expansão religiosa criativa e a orientação espiritual da vida sob a força do Espírito divino.
Um dos textos fundamentais sobre a Nova Era é A conspiração aquariana, em que a autora, Marilyn Ferguson, assinala que a palavra conspirar significa “partilhar o mesmo ar”. Neste sentido, o movimento da Nova Era reúne pessoas que partilham a mesma expectativa da Era de Aquário. Trata-se de um novo tempo, cujos sinais já começam a se manifestar. A nova perspectiva de pensamento está ancorada em três tradições de cunho místico ou religioso: a influência astrológica, a corrente joaquinita e o pensamento esotérico. O conhecimento astrológico data do mundo antigo, a corrente joaquinita teve origem na Idade Média e o pensamento esotérico foi reativado, com novo impulso, no século passado [século XIX].
A Nova Era vincula-se ao conhecimento astrológico – provavelmente de origem babilônica – como forma de marcar estágios de tempo. As diversas eras da história do mundo, cada uma correspondendo a cerca de 2 mil anos, são designadas com nomes simbólicos: era de Touro, Carneiro, Peixes, Aquário etc. Segundo os especialistas em astrologia, a Era de Peixes correspondeu aos dois primeiros milênios da Era Cristã. Em vias de terminar, liga-se à figura de Cristo (ichthus, palavra grega que significa peixe, cujas iniciais foram utilizadas como abreviatura da expressão “Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador”, em grego) e se caracteriza pela estrutura, dogma e lei, bem como pela racionalidade analítica. A Era de Aquário, por sua vez, será marcada pelo conhecimento intuitivo, consciência cósmica, liberdade e amor.
Se a expressão Nova Era se relaciona mais diretamente com a astrologia, parte significativa de seu conteúdo filosófico tem origem no movimento teosófico da segunda metade do século passado [século XIX]. A Sociedade Teosófica foi fundada em Nova York, por Helena Petrovna Blavatsky, em 1875. Logo em seguida, a sede foi transferida para Madras, na Índia. No Brasil, o primeiro núcleo teosófico surgiu em 1919.
Pode-se afirmar, com bastante segurança, que a Sociedade Teosófica marcou uma fase de profundo interesse pelas questões hoje atribuídas à Nova Era. A entidade tornou-se, de fato, um grande laboratório cultural. Coletou e transmitiu, para a civilização ocidental do século 20, grande parte da sabedoria antiga e oriental do ocultismo.
Na mesma linha teosófica de Helena, surgiu em Porto Alegre (RS), em 1952, o grupo Ponte para a Liberdade, também conhecido como Fraternidade Branca, sob a liderança de Inocência Gerandine. Ainda em Porto Alegre, houve um desdobramento através da formação do Grupo Avatárico. Hoje, há centros de irradiação esotérica em diversas cidades do País.
Segundo a Fraternidade Branca, a presente Era da Liberdade, de 2 mil anos, começou em maio de 1954. Essa Nova Era irá promover uma impressionante mudança no modo de pensar e sentir, enfim, na vida em geral, somente possível através do conhecimento espiritual. Em outros termos, a era institucional e legal, orientada por Jesus, está dando lugar à era da liberdade espiritual, sob a inspiração do Espírito Santo, que dá vida ao cosmos.
Sem dúvida, a concepção da Nova Era tem também influência cristã. A idéia de uma era marcada pela força do amor e pela dimensão espiritual da vida surgiu na Idade Média, com o pensamento místico joaquinita, do século 13. Segundo o seu autor, o monge Joaquim de Fiore, morto em 1296, a história da humanidade divide-se em três idades: a era do Pai ou do Antigo Testamento, a do Filho ou do Novo Testamento e a do Espírito Santo ou do Evangelho Eterno.
Esta última, assinala o historiador jesuíta Ricardo Villoslada, corresponderia à plenitude dos tempos: “Então o sentido literal dos dois Testamentos será definitivamente abolido, para ser substituído pela interpretação espiritual, como a água se mudou no vinho nas bodas de Caná; então os fiéis se unirão estreitamente ao Espírito Santo, e se moverão livremente sob  sua ação salutar; então os enigmas tenebrosos começarão a ser desvendados, como cara a cara, bem como a significação dos fatos da história: então a Cidade de Deus será reconstruída com pedras novas, sobre as ruínas do mal”.
Segundo o monge Joaquim de Fiore, haveria na Terra um período abençoado de caridade e concórdia entre os homens espirituais, capazes de uma nova ordem de entendimento do Evangelho. Essas idéias foram divulgadas, na península ibérica, por um grupo de franciscanos designados como espirituais, tendo sido retomadas pelo religioso Gerardo de Borgo de San Donnino, em sua introdução ao Evangelho Eterno.
Diz a tradição que foi exatamente no século 13 que a rainha Isabel introduziu em Portugal a festa do Divino. Ao pesquisar a origem do culto ao Divino na cidade goiana de Pirenópolis, o historiador Carlos Rodrigues Brandão encontrou a seguinte referência: “Ainda na Idade Média, teria aparecido em Portugal um monge considerado santo. Depois de longos anos de retiro no deserto, foi-lhe revelada a vinda próxima de uma nova era de relações entre os homens sobre a Terra: a época do Espírito Santo. A humanidade teria já ultrapassado a época do Pai (o Antigo Testamento) e, ao seu tempo, terminaria o seu trânsito por sobre a época do Filho (o Novo Testamento). Estaria para chegar ao mundo a época final, a do Espírito Santo, marcada pelo advento de uma implantação definitiva da paz, do amor e da bondade entre todos os homens do mundo.
O monge voltou às cidades e procurou difundir a revelação recebida, tida imediatamente como revolucionária pelas autoridades eclesiásticas do seu tempo. Suas idéias proféticas conquistaram inúmeros adeptos, logo perseguidos por uma Igreja oficial, ao mesmo tempo medieval e fechada.
Inúmeros adeptos da nova crença migraram para o Brasil, logo depois de sua colonização, e, depois da conquista dos espaços mediterrâneos, ocuparam, prioritariamente, as terras de Minas Gerias, e depois os espaços de Goiás, em menor escala, os do Mato Grosso. As festas anuais em louvor ao Espírito Santo derivam da conservação do fervor com que se rendia culto ao Divino desde os tempos da colônia”.
Embora pouco explícita, haveria assim uma vinculação do tradicional culto ao Divino, na religião popular, tanto ao pensamento medieval dos adeptos joaquinitas, quanto ao movimento contemporâneo da Nova Era. Aliás, não deixa de ser sugestiva a retomada do culto popular ao Divino em algumas regiões do País, como em Cuiabá (MT). Em 1903, o arcebispo dom Carlos D’Amour, em nome da reforma católica, proibira autoritariamente a celebração dos festejos. Adotando outra orientação pastoral, o arcebispo dom Bonifácio Piccini fundou na periferia de Cuiabá, em 1983, a paróquia do Divino Espírito Santo. Assim, a devoção de cunho popular ao Divino, antes reprimida, voltava a ser valorizada.
Aliás, tanto no movimento carismático católico quanto no pentecostalismo evangélico, umas das tônicas é exatamente a busca de maior liberdade de expressão, onde se manifeste a alegria da adesão à fé.
Movimento eclético, a Nova Era é objeto de severas críticas por parte de teólogos e pastoralistas católicos, exatamente porque, no cristianismo, a revelação de Deus chega ao seu ponto máximo em Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre (cf. Hb 13, 8). E o seguimento de Jesus é a maneira concreta de nos relacionarmos com ele.
Para o cristão, o Espírito é uma pessoa divina que nos foi dada pelo Pai e pelo Filho. Ele nos faz compreender o mistério de Jesus, como segui-lo e, assim, chegar ao pai. Fora de uma compreensão pessoal trinitária de Deus, não há cristianismo possível.
A proposta cristã em relação à liberdade, à consciência e ao compromisso de serviço ultrapassa em muito uma religião voltada apenas para o bem-estar psicológico. O cristianismo é, acima de tudo, uma relação pessoal com o Deus trino e com os irmãos na comunidade eclesial.
Apesar de todas as suas limitações, a volta ao sagrado, com ênfase na dimensão espiritual da vida, significa, sem dúvida, uma busca da razão de ser da existência humana. Mais do que nunca, caberia agora invocar a presença mística do Espírito Santo: “Vinde, Espírito criador, e renovareis a face da Terra”. Sob a luz do Espírito divino, possa de fato surgir uma nova era de paz a amor sobre a terra brasileira.    
     


*Artigo publicado originalmente no Suplemento “A Caminho do Novo Milênio” da Revista Família Cristã, Dezembro 1998, ed. n0 756, pág. 374-376.

**Riolando Azzi é professor de Filosofia, escritor, historiador e membro do Cehila (Comissão de Estudos de História da Igreja Latino-Americana).