terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sobre o Livro "Os Demônios Descem do Norte"

Marcos A. A. Soares



Há alguns anos encontrei por acaso na biblioteca da Universidade Federal da Paraíba um exemplar de um livro de título bastante sugestivo que me causou, de imediato, certa impressão. Tratava-se do livro Os Demônios Descem do Norte do jornalista Delcio Monteiro de Lima. Embora a obra não seja atual – sua publicação data de 1987 – o livro elucida um fenômeno sociológico de cunho religioso bastante pertinente ocorrido na nossa história recente com repercussões na política e na economia do Brasil (e também em outros países da América Latina). Acredito que este livro seja um dos mais conhecidos desse autor que tem em seu currículo uma série de títulos sobre temas polêmicos. Por outro lado, não sei se o Delcio ainda vive ou já morreu. Esse livro não agrada muito ao público evangélico. Abaixo segue uma descrição minha a respeito dessa obra.

O Livro – Em Os Demônios Descem do Norte, o jornalista Delcio Monteiro expõe como a ideologia capitalista se apropriou em seu favor de um fenômeno religioso surgido na América do Norte no século XIX. O fenômeno é o protestantismo norte-americano, mas o autor também tece considerações sobre as seguintes igrejas neocristãs (ou pseudocristãs) que exercem papel semelhante nessa empreitada: Testemunhas de Jeová, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mais conhecida como Igreja de Mórmon ou Mormonismo), Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial – a seita Moon –, e ainda as entidades transconfessionais. O autor descreve o processo de alastramento dessas denominações religiosas (chamadas por ele de seitas) no continente latino-americano num período em que os levantes populares e as ditaduras fervilhavam na América Latina. No livro, Delcio elucida que não foi a ideologia capitalista que criou tal fenômeno religioso de maneira sistemática para atacar o comunismo na América Latina. Embora não seja possível dissociar as ideias protestantes dos ideais capitalistas (como expôs Max Weber em clássica obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo), o que Delcio quis mostrar é que os ideólogos do capitalismo se aproveitaram da efervescência religiosa do século passado para somar forças contra os levantes comunistas da população latino-americana. De fato, a política conservadora norte-americana se aliou ao protestantismo, de modo que um passou a favorecer o outro num jogo de benefícios recíprocos para os dois lados. Nesse sentido, a facilidade com que as seitas norte-americanas se infiltraram na América Latina não foi inocente, mas sim um acontecimento pensado com claras finalidades no campo político do nosso continente. Não é por acaso também a grande soma de investimentos direcionados para o mercado religioso – levando o autor a se perguntar de onde vem tão grande quantidade de dinheiro! São inúmeros os canais televisivos religiosos, revistas, jornais etc. com o intuito de propagar ininterruptamente a ideologia capitalista travestida do manto religioso. Como exemplo, temos a Teologia da Prosperidade veiculada pelos pastores eletrônicos. E tenho também a impressão de que esse tipo de ideologia se faz mais pesadamente presente em países estratégicos como o Brasil.
Enfim, Os Demônios Descem do Norte é um livro bastante esclarecedor. O próprio título da obra já diz muito sobre a visão do autor a respeito do uso que se faz do fenômeno religioso. Os Demônios seriam, enfim, as seitas que desceram da América do Norte para povoarem o continente latino-americano para a execução de obras, cujos interesses são, à primeira vista, nebulosos e pouco claros. É exatamente aí que entra a visão do analista, que busca desvelar a realidade do manto enganador da aparência para penetrar na verdadeira razão dos fenômenos sociais.
            Há quem seja a favor de tal visão e há quem seja contra!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sem Destino*


Federico Mengozzi**

Nos anos 60, os jovens lutavam por paz e amor. Já nos anos 90, contentam-se com um passeio pelo shopping. O sonho, definitivamente, acabou – é o sonho, de qualquer cor ou textura, que move o homem. Idealismo não combina com globalização, e a juventude do final do milênio, sem metas ou valores, insegura e curiosa pela própria natureza, sempre à beira do abismo, resvala para o mundo das drogas e da transgressão. E, tão ruim quanto, para o mundo vazio do consumo, essa forma bem embrulhada de droga. Não se pode generalizar, é verdade. Mas o quadro geral, aqui e lá fora, que a desesperança também é global, aponta nessa direção. Recentemente, a produção norte-americana Vamos nessa, de Doug Liman, traçou um retrato competente dessa geração, a chamada Geração X. X de incógnita, X de indefinição.
Engenhoso, Vamos nessa conta três histórias que podem ser acompanhadas como segmentos independentes ou interligados. São histórias dentro da história. Numa interligação mais ampla, o filme oferece um panorama da juventude nesses tempos de cólera e vazios embalados pelo rock. Estranho, pois esse ritmo veio para libertar e logo se revelou um eficiente instrumento de alienação e fuga. Nos trejeitos de Mick Jagger, por exemplo, não está a contestação, mas a aceitação (travestida de crítica) de um establishment que o fez milionário. Para a geração ecstasy, a droga presente nas festas dos clubbers e neo-hippies, não há muita diferença entre os palcos dos megashows e os altares em que se imolava a mocidade fenícia a Baal.

Revolução comportamentalVamos nessa se vincula às produções que, a partir de O selvagem (Laszlo Benedek, 1953), ao mostrar um bando de motoqueiros que atormentavam uma cidade, se preocupam em revelar como está o pulso da juventude norte-americana – por extensão, o pulso da juventude do mundo. Enquanto o filme não chega às locadoras, o leitor que quiser entender, ou relembrar, como caminhou a jovem humanidade ao longo do século encontra bons vídeos à disposição, a começar do clássico Juventude transviada (Nicholas Ray, 1955). Em inglês, o título se referia aos rebeldes sem causa, àqueles que, não tendo motivo aparente – nem miséria havia –, transgrediam o código social e trombavam com a lei. Em português, serviu para definir aqueles jovens que, mudos e quedos, subitamente se faziam ouvir.
Em dez anos, os jovens passaram de coadjuvantes a atores principais, ameaçaram tomar o poder e, se não o fizeram, promoveram uma revolução comportamental sem precedentes. Sem destino (Dennis Hopper, 1969) é o filme que melhor mostra, nas aventuras de dois outsiders motorizados que perambulam pelas estradas, o que foi a juventude dos anos 60 e o que significou a contracultura. Mais dez anos, e Francis Ford Coppola dirigiu dois filmes sobre os jovens pós-paz e amor: O selvagem da motocicleta e Vidas sem rumo, ambos de 1983. São filmes que discorrem sobre as gangues juvenis e seus membros, rapazes às voltas com as descobertas e os impulsos da idade, vendo tudo – principalmente a violência – com absoluta, e nenhuma, clareza.

CinismoKids (Larry Clark, 1995) e Trainspotting – sem limites (Danny Boyle, 1996) revelam o amargor dos anos 90, quando a inocência foi perdida de vez e os jovens caminham ao sabor da droga, do sexo, da marginalidade, completamente irresponsáveis e com um cinismo que nega a própria juventude. Até ontem, acreditava-se que somente os adultos eram cínicos e hipócritas. Tanto Kids quanto Trainspotting negam o status de anos dourados à adolescência e mostram que é um mundo no qual tudo pode acabar, nem bem começou. Kids conta histórias do subúrbio de Nova York (EUA), enquanto Trainspotting se passa em Edimburgo (Escócia). A geografia muda, mas o comportamento juvenil fala a língua da aldeia global. Uma língua que é enrolada, pastosa e pouco clara.

Nas locadoras: Juventude transviada (Warner), Sem destino (LK-Tel/Columbia), O selvagem da motocicleta (Tocantins), Vidas sem rumo (Warner), Kids (Play Arte), Trainspotting – sem limites (Alpha).


*Artigo publicado originalmente na Revista Família Cristã, ano 66 – N0 768 – dezembro de 1999, pág. 31.

**Federico Mengozzi foi jornalista e crítico de cinema.


Nota do autor do Blog: apenas recentemente soube da morte de Federico Mengozzi ocorrida em 2007. Eu apreciava bastante os seus artigos sobre cinema (que eu me habituei a ler no início da década passada e depois perdi contato) e, por isso, posto aqui esse interessante artigo em que o Mengozzi expõe sua visão (um tanto amarga, é verdade) sobre a juventude retratada em filmes do século passado. Minha singela homenagem a esse grande jornalista, muito conhecedor de cinema!            

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Espírito Santo e a Nova Era*

Riolando Azzi**

A Nova Era é, sem dúvida, um fenômeno complexo. Não se trata de uma nova denominação religiosa, nem de uma instituição, mas da confluência de diversos movimentos de cunho espiritualista, marcados por uma nova maneira de ver o mundo.
Mesmo sabendo que, sob vários aspectos, a Nova Era não está em sintonia com a orientação cristã, é importante conhecer sua origem e expansão. Três são as suas idéias principais.
Em primeiro lugar, a crítica intensa ao materialismo capitalista, que incentiva o consumo para dar vazão à crescente produção industrial. É necessário fugir dos imperativos da moda e do consumismo, para que desabroche a dimensão espiritual e interior da existência. Em oposição à glorificação tecnológica, valoriza-se a integração do ser humano à natureza e ao cosmos.
Em seguida, a denúncia do racionalismo – dominante no mundo ocidental, sobretudo a partir do século 16 –, cuja ênfase na produtividade, desempenho e eficácia tem características marcadamente masculinas. Da supremacia do saber analítico, resultam o espírito de competição e a afirmação do individualismo. Em contraposição, dentro do universo da Nova Era, exaltam-se a concepção mística do existir e a experiência da consciência que se expande, com destaque para a intuição e o sentimento, vivências tipicamente femininas. Ao invés do espírito de concorrência, acentua-se a importância da realização pessoal.
Como terceiro aspecto, focaliza-se o caráter excessivamente institucional do cristianismo histórico. Privilegiando a moral das leis e o culto dos rituais, sob o rígido controle da autoridade eclesiástica, ele deixa pouco espaço para a expansão religiosa criativa e a orientação espiritual da vida sob a força do Espírito divino.
Um dos textos fundamentais sobre a Nova Era é A conspiração aquariana, em que a autora, Marilyn Ferguson, assinala que a palavra conspirar significa “partilhar o mesmo ar”. Neste sentido, o movimento da Nova Era reúne pessoas que partilham a mesma expectativa da Era de Aquário. Trata-se de um novo tempo, cujos sinais já começam a se manifestar. A nova perspectiva de pensamento está ancorada em três tradições de cunho místico ou religioso: a influência astrológica, a corrente joaquinita e o pensamento esotérico. O conhecimento astrológico data do mundo antigo, a corrente joaquinita teve origem na Idade Média e o pensamento esotérico foi reativado, com novo impulso, no século passado [século XIX].
A Nova Era vincula-se ao conhecimento astrológico – provavelmente de origem babilônica – como forma de marcar estágios de tempo. As diversas eras da história do mundo, cada uma correspondendo a cerca de 2 mil anos, são designadas com nomes simbólicos: era de Touro, Carneiro, Peixes, Aquário etc. Segundo os especialistas em astrologia, a Era de Peixes correspondeu aos dois primeiros milênios da Era Cristã. Em vias de terminar, liga-se à figura de Cristo (ichthus, palavra grega que significa peixe, cujas iniciais foram utilizadas como abreviatura da expressão “Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador”, em grego) e se caracteriza pela estrutura, dogma e lei, bem como pela racionalidade analítica. A Era de Aquário, por sua vez, será marcada pelo conhecimento intuitivo, consciência cósmica, liberdade e amor.
Se a expressão Nova Era se relaciona mais diretamente com a astrologia, parte significativa de seu conteúdo filosófico tem origem no movimento teosófico da segunda metade do século passado [século XIX]. A Sociedade Teosófica foi fundada em Nova York, por Helena Petrovna Blavatsky, em 1875. Logo em seguida, a sede foi transferida para Madras, na Índia. No Brasil, o primeiro núcleo teosófico surgiu em 1919.
Pode-se afirmar, com bastante segurança, que a Sociedade Teosófica marcou uma fase de profundo interesse pelas questões hoje atribuídas à Nova Era. A entidade tornou-se, de fato, um grande laboratório cultural. Coletou e transmitiu, para a civilização ocidental do século 20, grande parte da sabedoria antiga e oriental do ocultismo.
Na mesma linha teosófica de Helena, surgiu em Porto Alegre (RS), em 1952, o grupo Ponte para a Liberdade, também conhecido como Fraternidade Branca, sob a liderança de Inocência Gerandine. Ainda em Porto Alegre, houve um desdobramento através da formação do Grupo Avatárico. Hoje, há centros de irradiação esotérica em diversas cidades do País.
Segundo a Fraternidade Branca, a presente Era da Liberdade, de 2 mil anos, começou em maio de 1954. Essa Nova Era irá promover uma impressionante mudança no modo de pensar e sentir, enfim, na vida em geral, somente possível através do conhecimento espiritual. Em outros termos, a era institucional e legal, orientada por Jesus, está dando lugar à era da liberdade espiritual, sob a inspiração do Espírito Santo, que dá vida ao cosmos.
Sem dúvida, a concepção da Nova Era tem também influência cristã. A idéia de uma era marcada pela força do amor e pela dimensão espiritual da vida surgiu na Idade Média, com o pensamento místico joaquinita, do século 13. Segundo o seu autor, o monge Joaquim de Fiore, morto em 1296, a história da humanidade divide-se em três idades: a era do Pai ou do Antigo Testamento, a do Filho ou do Novo Testamento e a do Espírito Santo ou do Evangelho Eterno.
Esta última, assinala o historiador jesuíta Ricardo Villoslada, corresponderia à plenitude dos tempos: “Então o sentido literal dos dois Testamentos será definitivamente abolido, para ser substituído pela interpretação espiritual, como a água se mudou no vinho nas bodas de Caná; então os fiéis se unirão estreitamente ao Espírito Santo, e se moverão livremente sob  sua ação salutar; então os enigmas tenebrosos começarão a ser desvendados, como cara a cara, bem como a significação dos fatos da história: então a Cidade de Deus será reconstruída com pedras novas, sobre as ruínas do mal”.
Segundo o monge Joaquim de Fiore, haveria na Terra um período abençoado de caridade e concórdia entre os homens espirituais, capazes de uma nova ordem de entendimento do Evangelho. Essas idéias foram divulgadas, na península ibérica, por um grupo de franciscanos designados como espirituais, tendo sido retomadas pelo religioso Gerardo de Borgo de San Donnino, em sua introdução ao Evangelho Eterno.
Diz a tradição que foi exatamente no século 13 que a rainha Isabel introduziu em Portugal a festa do Divino. Ao pesquisar a origem do culto ao Divino na cidade goiana de Pirenópolis, o historiador Carlos Rodrigues Brandão encontrou a seguinte referência: “Ainda na Idade Média, teria aparecido em Portugal um monge considerado santo. Depois de longos anos de retiro no deserto, foi-lhe revelada a vinda próxima de uma nova era de relações entre os homens sobre a Terra: a época do Espírito Santo. A humanidade teria já ultrapassado a época do Pai (o Antigo Testamento) e, ao seu tempo, terminaria o seu trânsito por sobre a época do Filho (o Novo Testamento). Estaria para chegar ao mundo a época final, a do Espírito Santo, marcada pelo advento de uma implantação definitiva da paz, do amor e da bondade entre todos os homens do mundo.
O monge voltou às cidades e procurou difundir a revelação recebida, tida imediatamente como revolucionária pelas autoridades eclesiásticas do seu tempo. Suas idéias proféticas conquistaram inúmeros adeptos, logo perseguidos por uma Igreja oficial, ao mesmo tempo medieval e fechada.
Inúmeros adeptos da nova crença migraram para o Brasil, logo depois de sua colonização, e, depois da conquista dos espaços mediterrâneos, ocuparam, prioritariamente, as terras de Minas Gerias, e depois os espaços de Goiás, em menor escala, os do Mato Grosso. As festas anuais em louvor ao Espírito Santo derivam da conservação do fervor com que se rendia culto ao Divino desde os tempos da colônia”.
Embora pouco explícita, haveria assim uma vinculação do tradicional culto ao Divino, na religião popular, tanto ao pensamento medieval dos adeptos joaquinitas, quanto ao movimento contemporâneo da Nova Era. Aliás, não deixa de ser sugestiva a retomada do culto popular ao Divino em algumas regiões do País, como em Cuiabá (MT). Em 1903, o arcebispo dom Carlos D’Amour, em nome da reforma católica, proibira autoritariamente a celebração dos festejos. Adotando outra orientação pastoral, o arcebispo dom Bonifácio Piccini fundou na periferia de Cuiabá, em 1983, a paróquia do Divino Espírito Santo. Assim, a devoção de cunho popular ao Divino, antes reprimida, voltava a ser valorizada.
Aliás, tanto no movimento carismático católico quanto no pentecostalismo evangélico, umas das tônicas é exatamente a busca de maior liberdade de expressão, onde se manifeste a alegria da adesão à fé.
Movimento eclético, a Nova Era é objeto de severas críticas por parte de teólogos e pastoralistas católicos, exatamente porque, no cristianismo, a revelação de Deus chega ao seu ponto máximo em Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre (cf. Hb 13, 8). E o seguimento de Jesus é a maneira concreta de nos relacionarmos com ele.
Para o cristão, o Espírito é uma pessoa divina que nos foi dada pelo Pai e pelo Filho. Ele nos faz compreender o mistério de Jesus, como segui-lo e, assim, chegar ao pai. Fora de uma compreensão pessoal trinitária de Deus, não há cristianismo possível.
A proposta cristã em relação à liberdade, à consciência e ao compromisso de serviço ultrapassa em muito uma religião voltada apenas para o bem-estar psicológico. O cristianismo é, acima de tudo, uma relação pessoal com o Deus trino e com os irmãos na comunidade eclesial.
Apesar de todas as suas limitações, a volta ao sagrado, com ênfase na dimensão espiritual da vida, significa, sem dúvida, uma busca da razão de ser da existência humana. Mais do que nunca, caberia agora invocar a presença mística do Espírito Santo: “Vinde, Espírito criador, e renovareis a face da Terra”. Sob a luz do Espírito divino, possa de fato surgir uma nova era de paz a amor sobre a terra brasileira.    
     


*Artigo publicado originalmente no Suplemento “A Caminho do Novo Milênio” da Revista Família Cristã, Dezembro 1998, ed. n0 756, pág. 374-376.

**Riolando Azzi é professor de Filosofia, escritor, historiador e membro do Cehila (Comissão de Estudos de História da Igreja Latino-Americana).

domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre a Repercussão na Internet do Acometimento de um Câncer no ex-presidente Lula

Mais uma vez um câncer acomete um homem público. Dessa vez a figura do ex-presidente Lula com seu câncer na laringe causa uma avalanche de comentários na internet de internautas desejando-lhe a morte.  Cabe aí, sem dúvida, uma reflexão!
Certamente esses internautas furiosos são os anti-PT que se enraivecem porque o Lula presidiu o país numa época de considerável crescimento econômico. Não foi o Lula que criou as circunstâncias externas e internas favoráveis que possibilitaram o bom desempenho econômico do Brasil em seu governo. O governo Fernando Henrique atravessou o pior período da nossa economia e entregou a melhor fase para o seu sucessor. Tudo isso de mão beijada! Isso explica, em grande parte, a popularidade que o Lula teve e ainda tem. Ele não apenas é um homem carismático, mas também de muita sorte! Talvez o fato de o Lula ter recebido a faixa presidencial de um homem considerado intelectual tenha contribuído para se exigir algo que ele – o Lula – não pode oferecer. Lula não é e dificilmente se tornará intelectual algum dia. Sem dúvida, o governo Lula merece várias críticas, mas não devemos radicalizar a ponto de desejar a morte do ex-presidente brasileiro.
O Brasil sempre foi um país muito elitista e preconceituoso. Como então é possível um retirante nordestino se tornar presidente da República? Como é possível que ele agora trate de sua saúde num dos melhores hospitais do país? Será que a ralé está invadindo definitivamente a praia das elites brasileiras? As elites se sentem ameaçadas? Há um rancor e inveja desmedidos de muitos desses internautas?
Eu não tenho dúvida de que esses internautas raivosos têm alguma espécie de “desejo reprimido” que despejam com toda a ira através da internet. Eles não encontram espaço para se manifestarem e, por isso, agem dessa forma! Para esses internautas (como disse o Leonardo Boff em outra ocasião), o Lula deveria estar na fábrica a produzir bens de consumo para eles consumirem até se fartarem. O escritor Oscar Wilde escreveu que o pobre deve ser ingrato e não agradecer as migalhas que caem da mesa dos ricos para ele – o pobre – comer. Há os que dizem que o Bolsa-Família forma os “vagabundos”! Mas me respondam o seguinte: o que faz de produtivo pessoas como o Eike Batista, por exemplo? Os “vagabundos” do subúrbio simplesmente imitam Eike Batista!
Eu não sou petista. Apenas votei em Lula e torço por sua recuperação. Antes de qualquer coisa, torço pelo restabelecimento do ser humano Lula!

Marcos Antônio Avelino Soares

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Belchior, o poeta cantante




O cantor e compositor cearense Belchior pode ser considerado uma espécie de estrela solitária dentro do universo da Música Popular Brasileira. Ele é, sem dúvida, um artista ímpar, ou seja, sem par! Belchior não se constrange a se mostrar completamente humano em suas canções. As suas letras sempre deixam transparecer as experiências pessoais que já vivenciou, pois, como ele mesmo já admitiu, sua obra tem um caráter pessoal.
Talvez aí resida a receita de seu contínuo sucesso junto aos seus fãs. Estes, sem dúvida, se identificam com a extrema carga poética das suas canções. Certamente todos já passaram ou ainda passam por algum Momento Belchior em sua vida. Realidades simples, mas cheias de sentido, como a frieza e indiferença entre os membros da família na hora do almoço, a sensação de desespero típica da juventude, a tomada de consciência de um rapaz latino-americano ou a sensação de tristeza ao descobrir que o esforço das gerações mais jovens para se diferenciarem de seus pais até agora foi em vão. Ou então a paixão por uma mulher! As canções de Belchior têm sangue e respaldo no real. Um homem que conhece o seu lugar e não se inibe ao discordar esteticamente da obra de ícones sagrados, como Caetano Veloso, Chico Buarque ou Gilberto Gil, sem, contudo, desmerecê-los. Pois estes são também, sem dúvida, artistas de valor inestimável.
Belchior é um artista de obra melancólica pelo o que nós poderíamos ter sido e ainda não somos. E ainda é um sujeito franco que não reproduz regionalismos nefandos que só servem mesmo para reproduzir o atraso do Nordeste brasileiro, pois, como ele mesmo já afirmou, o Nordeste é uma ficção!
Enfim, as canções de Belchior são capazes de purificar qualquer alma angustiada! Ele mostra a doença e o meio de saná-la! Freud? Para quê? Belchior é infinitamente melhor!

Marcos Antônio Avelino Soares

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Drogas

O consumo de substâncias entorpecentes sempre existiu na humanidade. Membros de diversas religiões primitivas tinham o hábito de consumir produtos que causavam alucinação, pois havia a crença de que, dessa forma, a transcendência se tornava mais próxima do fiel. Ainda há resquícios de tais práticas na pós-modernidade e muitas seitas de hoje incentivam o consumo de drogas entre seus membros em diversos tipos de ritos.
Em nível psicológico, o problema hoje das drogas remete ao esvaziamento das tradições e à decadência das instituições que, até pouco tempo, orientavam a vida dos indivíduos. Praticamente não era preciso pensar sobre o que fazer, tal o poder institucional que pesava sobre o individuo, direcionando as suas ações. Essas instituições eram representadas, por exemplo, pelo núcleo familiar e pelas religiões. Mas com o advento da modernidade e a cristalização das idéias iluministas, o sujeito se torna cada vez mais autônomo e livre dos grilhões das tradições. Com a perda dessa referência institucional, muitos são facilmente seduzidos pelo caminho das drogas. Não se trata de fazer uma apologia de volta ao passado, onde a subjetividade não era valorizada e onde o indivíduo agia quase sem pensar, dado o peso da instituição. Mas se trata, sim, de desenvolver práticas que aprimorem essa autonomia individual, hoje tão valorizada. Nesse sentido, as práticas de ajuda aos dependentes devem desenvolver neles a consciência de seu próprio valor como ser humano. Há teorias no campo da psicologia que afirmam que os sentimentos de responsabilidade e de dever dão um novo sentido à vida de pessoas com tendência ao desespero.
Desse modo, o Estado tem fundamental importância no combate repressivo ao tráfico de drogas e na criação, na medida de suas possibilidades orçamentárias, de clínicas de reabilitação de dependentes. As políticas públicas devem caminhar nessa direção. Mas a própria sociedade precisa e deve se mobilizar no combate às drogas. Isso pode ser feito através da organização de pais e mães de dependentes que se reúnem para a troca de experiências e para a busca de soluções comuns para seus problemas. Com esse intuito, podem ser criadas organizações não-governamentais ou associações comunitárias que proporcionem o diálogo e que façam um trabalho de prevenção ao problema das drogas.
As práticas de solução são inúmeras. O Estado e a sociedade devem se mobilizar para enfrentar esse terrível mal que tem minado principalmente a vida de jovens no mundo todo, tendo em vista que é a juventude que está mais vulnerável a esse problema. Somente assim é que esse mercado ilegal que movimenta um gigantesco volume de dinheiro terá a sua base suplantada e poderá ser enormemente reduzido num futuro próximo.

Marcos Antônio Avelino Soares

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Considerações Sobre a Energia Nuclear

Devido aos efeitos fisiológicos nocivos que pode provocar a exposição à radiação, a energia nuclear costuma sofrer forte rejeição por parte da maioria das pessoas comuns. As explosões das duas bombas atômicas sobre o Japão na Segunda Guerra, o acidente em Chernobyl e o recente vazamento em uma usina japonesa ainda ressoam e enchem de temor as consciências contemporâneas.
Normalmente, existem duas posições opostas a respeito da energia nuclear. De um lado, existem aqueles que são contrários ao seu uso, uma vez que consideram temerário o risco de contaminação ambiental originada de usinas nucleares. Em geral, os ambientalistas assumem esse tipo de discurso. Por isso, eles defendem a exploração de fontes mais limpas e menos perigosas de energia, como a solar e a eólica. Por outro lado, há analistas que defendem a posição de que a energia nuclear representa a maior fonte de energia do futuro da humanidade.
É preciso admitir que essas duas visões têm a sua verdade. É legítima a preocupação de ambientalistas acerca do risco de contaminação humana e ambiental proveniente de lixo atômico e de eventuais vazamentos nas usinas. Mas por outro lado, as pesquisas dessa forma de energia devem ser fomentadas, dado o seu alto potencial energético. Sabe-se que as usinas nucleares são importantes para a produção de energia elétrica. Igualmente, também é conhecida a utilização da energia nuclear em tratamentos de saúde e na conservação de alimentos, como as frutas, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e a diminuição do desperdício alimentar. O processo de geração de energia útil através das usinas nucleares provém da fissão nuclear, ou seja, quebra de núcleos atômicos, gerando grande quantidade de energia. A outra forma de geração de energia é o fenômeno que ocorre nas estrelas, como no nosso Sol, que corresponde à fusão de núcleos menores para originar um núcleo atômico maior. Esse processo que gera uma grande quantidade de energia é chamado fusão nuclear, mas ainda não foi controlado pelo homem para a obtenção de energia útil. Sem dúvida, a fusão nuclear representa um desafio para os cientistas. O problema adicional de descarte do lixo atômico também deve ser objeto de pesquisa, evitando que sejam contaminados os córregos, rios e demais ecossistemas, além do próprio homem. Já a bomba atômica é admissível apenas para grandes potências econômicas que detenham o mínimo da infraestrutura que consiga comportar adequadamente esse tipo de arsenal atômico. Para países atrasados economicamente, é impensável se aventurar por esses caminhos.
É preciso, portanto, que defensores e contrários ao uso de energia nuclear travem um diálogo aberto a toda a sociedade com o intuito de chegarem a uma posição mais próxima da consensual. O que não é admissível é o abandono da pesquisa científica nessa área. Somente assim será possível uma tomada de decisão isenta de preconceitos e que seja de interesse do país e das gerações futuras.  

Marcos Antônio Avelino Soares

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Reflexão Sobre a Crise Econômica Mundial

Um rápido olhar sobre a História revela que, em geral, o tratamento dado aos problemas econômicos pelas diferentes formas de governo que o mundo já conheceu oscila entre duas posições opostas e extremas. De um lado, o absolutismo monárquico e o socialismo, por exemplo, defendiam uma rígida interferência do Estado na economia. Por outro, o liberalismo capitalista e as formas mais atuais de neoliberalismo defendem a eficiência dos mercados e a livre iniciativa dos agentes econômicos.
Tais extremos, sem dúvida, devem ser evitados. Uma forma de governo que intervém excessivamente no cenário econômico não permite que os indivíduos ajam criativamente no universo dos negócios. Mas o liberalismo desenfreado, por outro lado, faz com que aumente a vulnerabilidade da população mais pobre diante de uma crise, dado o aumento do desemprego. É preciso que as democracias modernas, juntamente com seus parlamentos e o judiciário garantam um ambiente econômico livre, o cumprimento de contratos e a mínima seguridade jurídica aos negócios, mas ao mesmo tempo protejam a parcela mais empobrecida da população através de programas sociais. Igualmente, a importância da reunião de países em blocos também tende a crescer, visto que as economias nacionais isoladas detêm cada vez menos força para se protegerem de crises globais. Nesse sentido, os esforços de países como o Brasil e os demais da América Latina devem convergir para uma integração econômica cada vez maior, com o intuito de se fortalecerem diante do atual cenário econômico global de instabilidade.
No âmbito brasileiro, o governo deve estimular o mercado interno e criar regras de controle de capitais especulativos para, com isso, evitar as oscilações prejudiciais na taxa de câmbio. Medidas dessa natureza buscam proteger a indústria nacional e o emprego dos brasileiros.
Portanto, uma economia estável e sadia requer um governo que não manifeste excesso de controle ou de liberalismo na economia. Tendo em vista que a atual crise foi gestada no seio da economia capitalista neoliberal, os Estados nacionais, entre eles o brasileiro, devem repensar suas formas de atuação nesse âmbito para, em conjunto com a sociedade, construírem um ambiente econômico mais estável e com expectativa de crescimento e desenvolvimento para todos.

Marcos Antônio Avelino Soares