Riolando Azzi**
A Nova Era é, sem dúvida, um fenômeno complexo. Não se trata de uma nova denominação religiosa, nem de uma instituição, mas da confluência de diversos movimentos de cunho espiritualista, marcados por uma nova maneira de ver o mundo.
Mesmo sabendo que, sob vários aspectos, a Nova Era não está em sintonia com a orientação cristã, é importante conhecer sua origem e expansão. Três são as suas idéias principais.
Em primeiro lugar, a crítica intensa ao materialismo capitalista, que incentiva o consumo para dar vazão à crescente produção industrial. É necessário fugir dos imperativos da moda e do consumismo, para que desabroche a dimensão espiritual e interior da existência. Em oposição à glorificação tecnológica, valoriza-se a integração do ser humano à natureza e ao cosmos.
Em seguida, a denúncia do racionalismo – dominante no mundo ocidental, sobretudo a partir do século 16 –, cuja ênfase na produtividade, desempenho e eficácia tem características marcadamente masculinas. Da supremacia do saber analítico, resultam o espírito de competição e a afirmação do individualismo. Em contraposição, dentro do universo da Nova Era, exaltam-se a concepção mística do existir e a experiência da consciência que se expande, com destaque para a intuição e o sentimento, vivências tipicamente femininas. Ao invés do espírito de concorrência, acentua-se a importância da realização pessoal.
Como terceiro aspecto, focaliza-se o caráter excessivamente institucional do cristianismo histórico. Privilegiando a moral das leis e o culto dos rituais, sob o rígido controle da autoridade eclesiástica, ele deixa pouco espaço para a expansão religiosa criativa e a orientação espiritual da vida sob a força do Espírito divino.
Um dos textos fundamentais sobre a Nova Era é A conspiração aquariana, em que a autora, Marilyn Ferguson, assinala que a palavra conspirar significa “partilhar o mesmo ar”. Neste sentido, o movimento da Nova Era reúne pessoas que partilham a mesma expectativa da Era de Aquário. Trata-se de um novo tempo, cujos sinais já começam a se manifestar. A nova perspectiva de pensamento está ancorada em três tradições de cunho místico ou religioso: a influência astrológica, a corrente joaquinita e o pensamento esotérico. O conhecimento astrológico data do mundo antigo, a corrente joaquinita teve origem na Idade Média e o pensamento esotérico foi reativado, com novo impulso, no século passado [século XIX].
A Nova Era vincula-se ao conhecimento astrológico – provavelmente de origem babilônica – como forma de marcar estágios de tempo. As diversas eras da história do mundo, cada uma correspondendo a cerca de 2 mil anos, são designadas com nomes simbólicos: era de Touro, Carneiro, Peixes, Aquário etc. Segundo os especialistas em astrologia, a Era de Peixes correspondeu aos dois primeiros milênios da Era Cristã. Em vias de terminar, liga-se à figura de Cristo (ichthus, palavra grega que significa peixe, cujas iniciais foram utilizadas como abreviatura da expressão “Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador”, em grego) e se caracteriza pela estrutura, dogma e lei, bem como pela racionalidade analítica. A Era de Aquário, por sua vez, será marcada pelo conhecimento intuitivo, consciência cósmica, liberdade e amor.
Se a expressão Nova Era se relaciona mais diretamente com a astrologia, parte significativa de seu conteúdo filosófico tem origem no movimento teosófico da segunda metade do século passado [século XIX]. A Sociedade Teosófica foi fundada em Nova York, por Helena Petrovna Blavatsky, em 1875. Logo em seguida, a sede foi transferida para Madras, na Índia. No Brasil, o primeiro núcleo teosófico surgiu em 1919.
Pode-se afirmar, com bastante segurança, que a Sociedade Teosófica marcou uma fase de profundo interesse pelas questões hoje atribuídas à Nova Era. A entidade tornou-se, de fato, um grande laboratório cultural. Coletou e transmitiu, para a civilização ocidental do século 20, grande parte da sabedoria antiga e oriental do ocultismo.
Na mesma linha teosófica de Helena, surgiu em Porto Alegre (RS), em 1952, o grupo Ponte para a Liberdade, também conhecido como Fraternidade Branca, sob a liderança de Inocência Gerandine. Ainda em Porto Alegre, houve um desdobramento através da formação do Grupo Avatárico. Hoje, há centros de irradiação esotérica em diversas cidades do País.
Segundo a Fraternidade Branca, a presente Era da Liberdade, de 2 mil anos, começou em maio de 1954. Essa Nova Era irá promover uma impressionante mudança no modo de pensar e sentir, enfim, na vida em geral, somente possível através do conhecimento espiritual. Em outros termos, a era institucional e legal, orientada por Jesus, está dando lugar à era da liberdade espiritual, sob a inspiração do Espírito Santo, que dá vida ao cosmos.
Sem dúvida, a concepção da Nova Era tem também influência cristã. A idéia de uma era marcada pela força do amor e pela dimensão espiritual da vida surgiu na Idade Média, com o pensamento místico joaquinita, do século 13. Segundo o seu autor, o monge Joaquim de Fiore, morto em 1296, a história da humanidade divide-se em três idades: a era do Pai ou do Antigo Testamento, a do Filho ou do Novo Testamento e a do Espírito Santo ou do Evangelho Eterno.
Esta última, assinala o historiador jesuíta Ricardo Villoslada, corresponderia à plenitude dos tempos: “Então o sentido literal dos dois Testamentos será definitivamente abolido, para ser substituído pela interpretação espiritual, como a água se mudou no vinho nas bodas de Caná; então os fiéis se unirão estreitamente ao Espírito Santo, e se moverão livremente sob sua ação salutar; então os enigmas tenebrosos começarão a ser desvendados, como cara a cara, bem como a significação dos fatos da história: então a Cidade de Deus será reconstruída com pedras novas, sobre as ruínas do mal”.
Segundo o monge Joaquim de Fiore, haveria na Terra um período abençoado de caridade e concórdia entre os homens espirituais, capazes de uma nova ordem de entendimento do Evangelho. Essas idéias foram divulgadas, na península ibérica, por um grupo de franciscanos designados como espirituais, tendo sido retomadas pelo religioso Gerardo de Borgo de San Donnino, em sua introdução ao Evangelho Eterno.
Diz a tradição que foi exatamente no século 13 que a rainha Isabel introduziu em Portugal a festa do Divino. Ao pesquisar a origem do culto ao Divino na cidade goiana de Pirenópolis, o historiador Carlos Rodrigues Brandão encontrou a seguinte referência: “Ainda na Idade Média, teria aparecido em Portugal um monge considerado santo. Depois de longos anos de retiro no deserto, foi-lhe revelada a vinda próxima de uma nova era de relações entre os homens sobre a Terra: a época do Espírito Santo. A humanidade teria já ultrapassado a época do Pai (o Antigo Testamento) e, ao seu tempo, terminaria o seu trânsito por sobre a época do Filho (o Novo Testamento). Estaria para chegar ao mundo a época final, a do Espírito Santo, marcada pelo advento de uma implantação definitiva da paz, do amor e da bondade entre todos os homens do mundo.
O monge voltou às cidades e procurou difundir a revelação recebida, tida imediatamente como revolucionária pelas autoridades eclesiásticas do seu tempo. Suas idéias proféticas conquistaram inúmeros adeptos, logo perseguidos por uma Igreja oficial, ao mesmo tempo medieval e fechada.
Inúmeros adeptos da nova crença migraram para o Brasil, logo depois de sua colonização, e, depois da conquista dos espaços mediterrâneos, ocuparam, prioritariamente, as terras de Minas Gerias, e depois os espaços de Goiás, em menor escala, os do Mato Grosso. As festas anuais em louvor ao Espírito Santo derivam da conservação do fervor com que se rendia culto ao Divino desde os tempos da colônia”.
Embora pouco explícita, haveria assim uma vinculação do tradicional culto ao Divino, na religião popular, tanto ao pensamento medieval dos adeptos joaquinitas, quanto ao movimento contemporâneo da Nova Era. Aliás, não deixa de ser sugestiva a retomada do culto popular ao Divino em algumas regiões do País, como em Cuiabá (MT). Em 1903, o arcebispo dom Carlos D’Amour, em nome da reforma católica, proibira autoritariamente a celebração dos festejos. Adotando outra orientação pastoral, o arcebispo dom Bonifácio Piccini fundou na periferia de Cuiabá, em 1983, a paróquia do Divino Espírito Santo. Assim, a devoção de cunho popular ao Divino, antes reprimida, voltava a ser valorizada.
Aliás, tanto no movimento carismático católico quanto no pentecostalismo evangélico, umas das tônicas é exatamente a busca de maior liberdade de expressão, onde se manifeste a alegria da adesão à fé.
Movimento eclético, a Nova Era é objeto de severas críticas por parte de teólogos e pastoralistas católicos, exatamente porque, no cristianismo, a revelação de Deus chega ao seu ponto máximo em Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre (cf. Hb 13, 8). E o seguimento de Jesus é a maneira concreta de nos relacionarmos com ele.
Para o cristão, o Espírito é uma pessoa divina que nos foi dada pelo Pai e pelo Filho. Ele nos faz compreender o mistério de Jesus, como segui-lo e, assim, chegar ao pai. Fora de uma compreensão pessoal trinitária de Deus, não há cristianismo possível.
A proposta cristã em relação à liberdade, à consciência e ao compromisso de serviço ultrapassa em muito uma religião voltada apenas para o bem-estar psicológico. O cristianismo é, acima de tudo, uma relação pessoal com o Deus trino e com os irmãos na comunidade eclesial.
Apesar de todas as suas limitações, a volta ao sagrado, com ênfase na dimensão espiritual da vida, significa, sem dúvida, uma busca da razão de ser da existência humana. Mais do que nunca, caberia agora invocar a presença mística do Espírito Santo: “Vinde, Espírito criador, e renovareis a face da Terra”. Sob a luz do Espírito divino, possa de fato surgir uma nova era de paz a amor sobre a terra brasileira.
*Artigo publicado originalmente no Suplemento “A Caminho do Novo Milênio” da Revista Família Cristã, Dezembro 1998, ed. n0 756, pág. 374-376.
**Riolando Azzi é professor de Filosofia, escritor, historiador e membro do Cehila (Comissão de Estudos de História da Igreja Latino-Americana).