terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sem Destino*


Federico Mengozzi**

Nos anos 60, os jovens lutavam por paz e amor. Já nos anos 90, contentam-se com um passeio pelo shopping. O sonho, definitivamente, acabou – é o sonho, de qualquer cor ou textura, que move o homem. Idealismo não combina com globalização, e a juventude do final do milênio, sem metas ou valores, insegura e curiosa pela própria natureza, sempre à beira do abismo, resvala para o mundo das drogas e da transgressão. E, tão ruim quanto, para o mundo vazio do consumo, essa forma bem embrulhada de droga. Não se pode generalizar, é verdade. Mas o quadro geral, aqui e lá fora, que a desesperança também é global, aponta nessa direção. Recentemente, a produção norte-americana Vamos nessa, de Doug Liman, traçou um retrato competente dessa geração, a chamada Geração X. X de incógnita, X de indefinição.
Engenhoso, Vamos nessa conta três histórias que podem ser acompanhadas como segmentos independentes ou interligados. São histórias dentro da história. Numa interligação mais ampla, o filme oferece um panorama da juventude nesses tempos de cólera e vazios embalados pelo rock. Estranho, pois esse ritmo veio para libertar e logo se revelou um eficiente instrumento de alienação e fuga. Nos trejeitos de Mick Jagger, por exemplo, não está a contestação, mas a aceitação (travestida de crítica) de um establishment que o fez milionário. Para a geração ecstasy, a droga presente nas festas dos clubbers e neo-hippies, não há muita diferença entre os palcos dos megashows e os altares em que se imolava a mocidade fenícia a Baal.

Revolução comportamentalVamos nessa se vincula às produções que, a partir de O selvagem (Laszlo Benedek, 1953), ao mostrar um bando de motoqueiros que atormentavam uma cidade, se preocupam em revelar como está o pulso da juventude norte-americana – por extensão, o pulso da juventude do mundo. Enquanto o filme não chega às locadoras, o leitor que quiser entender, ou relembrar, como caminhou a jovem humanidade ao longo do século encontra bons vídeos à disposição, a começar do clássico Juventude transviada (Nicholas Ray, 1955). Em inglês, o título se referia aos rebeldes sem causa, àqueles que, não tendo motivo aparente – nem miséria havia –, transgrediam o código social e trombavam com a lei. Em português, serviu para definir aqueles jovens que, mudos e quedos, subitamente se faziam ouvir.
Em dez anos, os jovens passaram de coadjuvantes a atores principais, ameaçaram tomar o poder e, se não o fizeram, promoveram uma revolução comportamental sem precedentes. Sem destino (Dennis Hopper, 1969) é o filme que melhor mostra, nas aventuras de dois outsiders motorizados que perambulam pelas estradas, o que foi a juventude dos anos 60 e o que significou a contracultura. Mais dez anos, e Francis Ford Coppola dirigiu dois filmes sobre os jovens pós-paz e amor: O selvagem da motocicleta e Vidas sem rumo, ambos de 1983. São filmes que discorrem sobre as gangues juvenis e seus membros, rapazes às voltas com as descobertas e os impulsos da idade, vendo tudo – principalmente a violência – com absoluta, e nenhuma, clareza.

CinismoKids (Larry Clark, 1995) e Trainspotting – sem limites (Danny Boyle, 1996) revelam o amargor dos anos 90, quando a inocência foi perdida de vez e os jovens caminham ao sabor da droga, do sexo, da marginalidade, completamente irresponsáveis e com um cinismo que nega a própria juventude. Até ontem, acreditava-se que somente os adultos eram cínicos e hipócritas. Tanto Kids quanto Trainspotting negam o status de anos dourados à adolescência e mostram que é um mundo no qual tudo pode acabar, nem bem começou. Kids conta histórias do subúrbio de Nova York (EUA), enquanto Trainspotting se passa em Edimburgo (Escócia). A geografia muda, mas o comportamento juvenil fala a língua da aldeia global. Uma língua que é enrolada, pastosa e pouco clara.

Nas locadoras: Juventude transviada (Warner), Sem destino (LK-Tel/Columbia), O selvagem da motocicleta (Tocantins), Vidas sem rumo (Warner), Kids (Play Arte), Trainspotting – sem limites (Alpha).


*Artigo publicado originalmente na Revista Família Cristã, ano 66 – N0 768 – dezembro de 1999, pág. 31.

**Federico Mengozzi foi jornalista e crítico de cinema.


Nota do autor do Blog: apenas recentemente soube da morte de Federico Mengozzi ocorrida em 2007. Eu apreciava bastante os seus artigos sobre cinema (que eu me habituei a ler no início da década passada e depois perdi contato) e, por isso, posto aqui esse interessante artigo em que o Mengozzi expõe sua visão (um tanto amarga, é verdade) sobre a juventude retratada em filmes do século passado. Minha singela homenagem a esse grande jornalista, muito conhecedor de cinema!            

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